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O JONGO: UMA ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Pedro Paulo Nardoto Lic. Artes Visuais

Cidélia Fazolo Nardoto

RESUMO

O objeto de estudo será uma prática de ensino voltada à arte a partir de uma manifestação cultural, o Jongo, dentro do espaço escolar. Será fomentada a cultura do Jongo no espaço escolar através de uma prática pedagógica de ensino, no intuito de despertar a valorização da cultura local através da arte. Assim o desenvolvimento de práticas de ensino direcionadas à arte, se tornará um meio capaz de elevar a consciência dos estudantes quanto aos valores de sua cultura. Os métodos e os procedimentos seguidos no desenvolvimento do projeto terão como bases os métodos de pesquisas: teórico e prático, onde permeará um trabalho de valorização através de uma série de encontros ligados ao cronograma escolar. De maneira bem rica e interdisciplinar a proposta do projeto conseguirá trabalhar o tema Jongo, levando aos alunos informações, troca de experiências onde eles poderão por em prática a aprendizagem que terão ao longo do desenvolvimento do projeto. No decorrer da realização das produções artísticas o educador fará algumas auto avaliações que contribuirão para sanar as possíveis dificuldades caso ocorram com ajuda da escola. Assim, a aprendizagem ocorrerá de maneira lúdica e dinâmica, onde as crianças poderão conhecer mais sobre sua cultura, através da arte.

Palavras-chave: Espaço escolar; Arte; Jongo; Manifestação Cultural.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como finalidade um estudo sobre o jongo e suas possibilidades na escola. Entendemos que a disciplina de arte pretende no currículo escolar contemplar a valorização da história da arte, das produções artísticas, bem como um reconhecimento e a valorização da cultura local. Nesse contexto buscamos realizar um estudo que contemplasse as manifestações culturais do norte capixaba, especificamente a produção cultural imaterial do Jongo.

O estudo sobre o Jongo fará com que os alunos possam conhecer de fato o significado da existência das mesmas, ainda mais importante, poderão vivenciar na prática tais manifestações. E para isso, estaremos inserindo a teoria à prática de ensino, através de autores locais, dentre outras referências que têm como foco essas práticas culturais. No município de São Mateus-ES, temos dois grupos que praticam a dança de Jongo, tornando o trabalho de pesquisa mais interessante devido ao contato direto com os artistas.

Compreendemos que a cultura está presente na vida das pessoas e que a mesma vai se formando na medida em que são estabelecidas as diversas relações e experiências existentes entre o individuo e o ambiente em que vive.

O fato é que essas relações nunca agem isoladamente. Elas dependem umas das outras, convivem e formam uma rede na qual somos inseridos. Ao mesmo tempo em que recebemos a herança cultural, agimos e produzimos cultura de forma que nos tornamos coparticipantes dessa rede. Dessa teia de relações extraímos os valores em que acreditamos como solidariedade, afeto, respeito, violência. Esse conjunto de valores transmitidos por nosso grupo social é sua identidade.

Um fator forte que observamos no município de São Mateus é a sua cultura, a sua forma de representar e expressar a identidade através da interação sobre uma de suas ramificações, a dança, especificamente a do Jongo, valorizando ainda mais a cultura regional.

Portanto, o referido estudo virá como uma base imprescindível ao crescimento de uma cultura enriquecedora dos jovens envolvidos na proposta educativa a ser desenvolvida no espaço escolar.

Este trabalho se desenvolve em três capítulos. O primeiro vem abordando os conceitos do Jongo e seus Elementos de maneira geral apontando suas composições. No segundo trata especificamente do Jongo no município de São Mateus e suas características. Já no terceiro e último capítulo, iremos falar sobre o Jongo no espaço escolar, apresentando as fundamentações quanta o estudo das manifestações culturais no ambiente escolar, além das etapas da aplicação do projeto na escola, o qual se estendeu em quatro etapas.

O JONGO NA ESCOLA

Quando falamos de Jongo no espaço escolar, consideramos os estudos que tratam da herança cultural africana na sociedade brasileira e das marcas que constituem nosso jeito de ser e viver. Um trabalho nesta perspectiva possibilitaria um novo olhar e um consequente entendimento de um sistema mítico diferente do dominante.

A pesquisa de Patrícia Gomes Rufino Andrade (2007, p.10) disserta para uma possível sistematização do ensino do jongo a partir dos saberes tradicionais da comunidade, tornando assim mais fácil o aprendizado. Percebe-se também o valor da oralidade aliada ao movimento das danças como meio de interesse às origens, como uma nova forma pedagógica.

Realizar esta ação educativa significaria garantir direitos não apenas aos afrodescendentes integrantes dessas comunidades, mas a todos os estudantes brasileiros. De acordo com a lei 10.639/2003:

A lei 10.639/2003 altera a Lei nº9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDBEN) e estabelece as Diretrizes Curriculares para a Educação Nacional no sentido de incluir no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade de ensino de “História da África e Cultura Afro-Brasileira”. Para isso os conteúdos programáticos indicados são aqueles referentes ao estudo da historia da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negros nas áreas social, econômica e política, pertinentes à Historia do Brasil. Além disso, a lei inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra (BRASIL, 2005a).

Esta Lei vem então pontuar a luta dos movimentos negros e da sociedade civil como um todo, torna oficialmente intolerável, e ilegal o desconhecimento da ancestralidade africana dos brasileiros.

Para Delma Pessanha Neves, acredita-se que a vida social é “empreendimento humano qualificado que se faz na interligação de sentidos, na produção de recursos pelos indivíduos para criação de formas de integração e distinção em contextos atravessados por significados múltiplos”. (NEVES, 2008, p. 28). Portanto a integração do indivíduo à vida social acabar por minimizar o grau de marginalização imposta pela sociedade em que se insere.

O multiculturalismo no espaço escolar, apesar de todo debate desenvolvido na educação após a década de 1980, ainda encontramos a diversidade cultural sendo tratada na escola e nos livros didáticos por meio de celebrações comemorativas e de datas alusivas aos negros e índios.

De fato o ambiente escolar é responsável por grande parte das experiências vividas pelos jovens e o preconceito é uma delas.

Conforme Délcio José Bernardo apud René Marc da Costa Silva:

[...] o seguimento como a escola contribuiu para torná-la reprodutora dos preconceitos e discriminações praticadas contra os grupos que dela se utilizam para adquirir outros tipos de conhecimentos, com intuitos de almejar posições sociais que garantam uma vida melhor. [...] A escola não levava em conta os conhecimentos e saberes dos grupos marginalizados, era como se fosse uma expansão dos pensamentos dos vizinhos em relação ao jongo e aos negros. (BERNARDO apud SILVA, 2008, p. 51)

A partir das análises de Letícia Vianna sobre a salvaguarda de patrimônios imateriais. A autora identifica o espaço escolar como canal de difusão dos saberes constituídos pelos grupos populacionais antes invisibilizados em nossa sociedade.

Destaca-se, então, o fundamental papel da escola, e dos educadores em geral, na atualização constante dos princípios do relativismo cultural para as novas gerações; na valorização da diversidade cultural com respeito e tolerância; no estímulo permanente à curiosidade pelas culturas e identidades tradicionais das comunidades locais, divulgando-as para que sejam conhecidas e reconhecidas na própria comunidade e na sociedade abrangente. (VIANNA, 2003, p. 123)

Na educação, passaram a contestar a forma como a diversidade cultural estava sendo abordada na escola, compondo, assim, uma corrente na educação que se chamar de multicultural. Quanto a isto, Antônio Flávio Moreira diz que “[...] as questões culturais não podem ser ignoradas pelos educadores e educadoras, sob o risco de que a escola cada vez se distancie mais dos universos simbólicos [...]” (MOREIRA, 2008, p 48). De fato o conhecimento da cultura local é imprescindível aos arte educadores, principalmente por serem eles um dos veículos de transmissão desse conhecimento.

Já quando falamos de manifestação cultural no ambiente escolar, o Brasil conta com uma imensa e variada gama de manifestações de cultura popular.

Cultura popular e educação podem adquirir significados muito diferentes, dependendo do contexto ou da sociedade a partir da qual forem pensadas. Numa sociedade como a brasileira, profundamente marcada por múltiplas hierarquias e desigualdades, a idéia de “cultura” antes de tudo era associada à sofisticação, à erudição e à educação formal.

Para François Laplantine, “[...] a cultura é o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem, e transmitidas ao conjunto de seus membros.” (LAPLANTINE, 2003, p. 97).

Essas questões incentivam a curiosidade em desvelar dentro da escola o conhecimento de nossos educando e educadores, saberes culturais, nascidos e desenvolvidos nas histórias de origem e do dia-a-dia. Expressões multiculturais que colorem nossos jeitos de ser, pensar e agir, demonstrando a necessidade de falarmos de inclusão, de diversidade, de educar para diferença natural de tantos povos que compõem o povo brasileiro. Essa pluralidade é que cria arte, cultura, solidariedade, regras de convivência, ética, pertencimento, autoestima, respeito à riqueza patrimonial.

Algo relevante observado, durante estudo de campo, foi a falta dos jovens nos grupos, nos últimos anos, a geração que viriam a dar continuidade à herança do Jongo mateense vem diminuindo gradativamente. O conhecimento das cantigas e as características únicas dos grupos de folguedos de São Mateus vêm correndo um grande risco de não mais existir, devido a falta de novas gerações nas rodas. Por isso, vimos a necessidade de se propagar manifestações culturais regionais no ambiente escolar com enfoque no Jongo.

Segundo análise de Lúcio Sanfilippo, “[...] devemos olhar para as manifestações folclóricas despidos de qualquer etnocentrismo e, ao ensiná-las, devemos ter toda atenção para não dar a entender aos alunos que se trata de algo atípico da sua vivência, sim, torná-las presentes em vários momentos da educação.” (SANFILIPPO, 2011, p.48).

Nesse contexto, é possível pensar nos alunos como produtores e consumidores de culturas que se manifestam nos diversos espaços públicos e que nem sempre têm visibilidade no interior da escola.

Acreditamos que os alunos precisam ser compreendidos numa perspectiva que, conforme Nilma L. Gomes apud René Marc da Costa Silva, “[...] permita a construção de um olhar mais alargado sobre a educação, como processo de humanização que inclua e incorpore os processos educativos não escolares” (GOMES apud SILVA, 2008, p. 59).

Contudo a partir da disciplina de arte, podemos então pensar em uma proposta em que haja maior participação do público-alvo, trabalhando assim seu interesse e concentração.

Para explorar a influência do Jongo na formação da cultura local, buscamos desenvolver trabalhos com atividades práticas relacionadas aos elementos do Jongo, e pesquisas através de vídeos, livros e sites, possibilitando um maior conhecimento do educando quanto à riqueza cultural do Jongo.

O projeto se desenvolverá em quatro etapas que direcionará a distribuição dos capítulos aqui presentes. Será proposto que logo na primeira etapa, seja feito pesquisas e leituras sobre as manifestações culturais do folclore local nos seguintes meios, na internet e também em pesquisa literária.

Na segunda etapa será proposto aos alunos que façam uma análise das diferentes manifestações culturais existentes no município de São Mateus, sobre os aspectos físicos e culturais.

Na terceira etapa, após a observação, levantamento bibliográfico e também análise dos dados coletados na primeira e segunda etapa, iniciará a socialização dos entendimentos sobre as pesquisas realizadas, seguindo as ideias de Jésus Palácios, quando o autor coloca que a escola “ [...] influi em todos os aspectos relativos aos processos de socialização e individualização das crianças [...]” (PALACIOS, 2004, p.56).

A partir da contextualização das manifestações culturais com enfoque no Jongo, será proposta a realização de uma atividade prática textual relacionada a um elemento de grande importância no Jongo, o “Ponto”. Contudo esta etapa buscará envolver os alunos em grupos sendo eles orientados a elaborarem versos curtos baseados em metáforas com enfoque na cultura dos negros, com base nas pesquisas realizadas nas etapas anteriores. A importância desta etapa no trabalho é evidenciada por Maria Heloísa Ferraz que salienta “[...] que tais conhecimentos, pelos alunos, são imprescindíveis à sua formação artística e estética, principalmente quando mediados pelo fazer artístico, a apreciação estética e a comunicação na sociedade” (FERRAZ, 2010, p.52).

Assim, os seis grupos formados ficarão responsáveis de trabalhar o Ponto, elaborando suas próprias criações, seguindo as classificações: Abertura: cantado no início dos trabalhos para pedir licença; Louvação: saudação dirigida a algum antepassado jongueiro; Visaria: para alegrar e divertir os participantes; Demanda: desafio que exige que outro jongueiro decifre seu código demonstrando sabedoria. Encante: carregado de magia e capaz de enfeitiçar o oponente que não consegue desatá-lo. Despedida: cantado ao amanhecer para saudar a chegada do dia e encerrar a festa. Cada grupo será orientado em suas produções de acordo com as classificações de cada Ponto citados acima.

A proposta final define que na última etapa, após a conclusão dos trabalhos, os grupos que participaram das elaborações dos “Pontos”, irão apresentar seus trabalhos em uma exposição no mural da escola de maneira que toda a comunidade escolar possa apreciar todos os trabalhos realizados pelos educandos, de maneira a valorizar o potencial criativo de cada um deles.

E para a elaboração do painel de exposição serão necessários os seguintes recursos materiais: Máquina fotográfica digital; Cola quente; Papel A4; Caneta hidrocor; Computador; Livros e revistas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos esses contextos sobre o jongo indicam que há muito que se pesquisar no campo da cultura afrodescendente do Brasil. Resta a nós, perceber se as proposições apresentadas são ou não contempladas pelo Jongo: a dança, o adivinhar, a palavra bala que fere com o peso do enigma, dentre outros.

Pouca coisa se vê na televisão, se ouve no rádio, se vivencia na escola formal. Pouco ainda se vê pelas ruas, se levarmos em conta a imensidão de manifestações que se apresentam pelo Brasil a fora. Como o Jongo é uma dança que constitui, ainda hoje, uma das mais ricas heranças da cultura negra presentes no folclore capixaba. Compreendemos que o estudo sobre esta dança cultural fez com que os alunos envolvidos no projeto, conhecessem o significado desta manifestação mesmo que de forma introdutória, em seu processo de aprendizagem, mas que possibilitou o aguçar de seu senso crítico quanto às manifestações cultural presentes em sua região.

Contudo, percebemos no que circunda o Jongo, sua inclinação quanto a didática de confirmação de valores. A Lei 10.639/03 veio a fim de confirmar e fazer o papel de propagador dessa diversidade, criando nela uma pedagogia que contemple a história, cultura e religião dos povos afrodescendentes, que ao longo dos anos fora subjugado por uma história contada pela metade. Portanto, projeto como este passa a sere tido como grande iniciativa para uma reescrita de valores.

6. REFERÊNCIAS

AGUIAR, Maciel de. Brincantes e Quilombolas: O Jongo de São Benedito. São Mateus ES: Ed. Memorial, 2005.

______. Beatinho de São Benedito: História dos Quilombolas. São Mateus ES: Ed. Memorial, 2007. Vol. 10.

ALCANTARA, Renato de. A poética do jongo: resistência negra e celebração da vida. Fundação de Apoio a Escola Técnica/ SEEDUC-RJ, s.d.

ANDRADE, Patrícia Gomes Rufino. A educação na comunidade de Monte Alegre-ES em suas práticas de construção da Cultura popular. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, 2007.

BRASIL, Ministério da Educação / Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial. Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Racial e parra o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. – Brasília: MEC/SEPPIR, 2005 a.

______. Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê IPHAN 5, Jongo no Sudeste. – Brasília: MEC/IPHAN, 2005 b.

CORREIA, Joana Pinto. Jongo: Como um parente ancestral do Samba mantém vivas as suas raízes africanas. Disponível em: Acesso em: 20 maio 2012.

DIAS, Paulo. “A outra festa negra”. In: JANCSÓ, István e KAN-TOR Íris (Orgs.). Festa: Cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec: Edusp: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. vol. 02.

FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo. Arte na educação escolar / Maria Heloísa Corrêa de Toledo Ferraz e Maria Felisminda de Rezende e Fusari. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

LARA, Silvia Hunold e PACHECO, Gustavo (orgs). Memória do Jongo: as gravações históricas de Stanley J.Stein. Vassouras, 1949. RJ.

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